OS 60 ANOS DO MASSACRE DE IPATINGA (e a perseguição e morte dos mineiros da Morro Velho durante e após a ditadura getulista)

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Operários velam na espreita o corpo de um dos colegas metralhados pela PM. foto/Reprodução/Comissão da Verdade.

Está tudo preparado no Vale do Aço para a celebração lúgubre em memória das vítimas do Massacre de Ipatinga, em 7 de outubro de 1963, num confronto da PM com operários em manifestação da Usiminas revoltados com as humilhações nas revistas de entrada e saída da usina

Esta tragédia de mais de 30 mortes e quase 100 feridos, fora os caçados e executados posteriormente (relatório da Comissão da Verdade-MG/2017), se iniciou no dia anterior com perseguições da Cavalaria do 6º BPM de Governador Valadares no Acampamento Santa Mônica, hoje bairro Horto.

Os números do massacre são contraditórios. A polícia e a estatal (40% das ações em mãos de japoneses) divulgaram sete mortos e 79 feridos no local. Boletim logo contestado pelas lideranças do movimento, já sem espaço na grande imprensa contaminada pelo anticomunismo.

“Mas era o que o Governador Magalhães Pinto mandou contar”. O boato era este na “Rádio Peão” das usinas de Ipatinga e de Timóteo. Meses depois o governador apoiou o Golpe Militar de 31 de março de 1964, mandando a PM ajudar o Exército a atacar o Catete, no Rio, com o seu comparsa Mourão Filho.

Logo vieram as perseguições, prisões e mais matança de operários envolvidos no caso. As usinas viraram áreas de segurança nacional, com militares no comando de tudo. O medo e o terror se espalharam por todos os lados. Em meados da década de 70, criou-se o 14º BPM de Ipatinga.

Eu fiz a cobertura de inauguração do novo batalhão pelo jornal O Vale do Aço, do então médico e deputado Carlos Cotta. O famoso “capitão Pedro” (como se tornou conhecido o coronel comandante do 6º BPM) deu posse ao coronel Xavier que mandou o seu recado na palavra de ordem à tropa:

-“Não vamos tolerar indisciplina e tumulto na porta das usinas; quer vagabundar, vai preso!”

Eu tinha 13 anos à época do massacre, e ouvia de minha mãe, Olga, enfermeira do então Hospital Acesita, em Timóteo, falar que foram dezenas de mortos e feridos. Meu pai Zezé, entregador de pão de uma padaria de Coronel Fabriciano nas quitandas de Ipatinga, dizia a mesma coisa.

-Nossa Senhora, meu filho, mataram muita gente!

O rádio-técnico Geraldo Ribeiro, morador de Timóteo e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, com sede em Coronel Fabriciano (Ipatinga era distrito), confirmava a mentira da polícia e andava até com uma lista para provar a farsa. Ele se tornou depois prefeito de Timóteo e deputado.

Não me esqueço o que me disse um dia ao arrumar meu radinho de pilha:

-Conserto rádio para falar mentira!

Meu professor Padre de Man, holandês que teve toda a família (pais e irmãos) executados na câmara de gás em Auschwitz – e que chegara a Ipatinga logo após o massacre e, devido ao seu apoio aos operários, passou também a ser perseguido pela repressão –, esbaforia indignado:

-“Novamente a maldita guerra!”. Ele fundou a Escola Técnica de Coronel Fabriciano e a universidade (Hoje Unileste), mas teve o diploma de seus engenheiros negado pelo MEC, por ordem do regime militar que lhe negou também a cidadania. Morreu em Contagem em 1981 “sem pátria”, como dizia.

Com a ditadura instalada no País meses depois, tudo ficou mais difícil para os mais de 15 mil trabalhadores da Usiminas, à época com menos de um ano da inauguração. E outro tanto de operários da antiga Companhia de Aços Especiais (Acesita, hoje Operam), da qual fui operário e jornalista.

O SOBREVIVENTE JURANDIR PERSICHINI

A Comissão da Verdade, criada décadas depois, restabeleceu a verdade, conforme o relato dos sobreviventes, entre os quais, meu amigo jornalista, sindicalista da resistência (era um dos operários daquele movimento) e ativista dos Direitos Humanos e do Meio Ambiente, Jurandir Persichini, que vai estar na solenidade dos 60 anos do massacre em Ipatinga.

Sobrevivente do massacre, preso e torturado, Persichini foi coordenador adjunto da Comissão da Verdade, onde apresentou um levantamento robusto sobre mortes e perseguições a movimentos grevistas urbanos durante a ditadura militar, inclusive de trabalhadores da Morro Velho, em Nova Lima, no período de 1940 a 1960.

Persichini listou 176 operários da mina indiciados pela repressão em 1964, entre os quais, o presidente do Sindicato dos Mineiros e deputado cassado pelo Partido Democrata Cristão, José Gomes Pimenta, Dazinho, morto em 2007 com silicose.

Emblemático, “não sou comunista, sou cristão”, Dazinho não tirava o uniforme de trabalhador da mina nem durante o seu mandato de deputado. Dizia, sempre, mostrando a roupa:

-“Eu sou um deles, venho de lá!”

O sobrevivente Jurandir Persichini
Dazinho confrontou a ditadura getulista (1930-1945) e a militar a partir de 1964, foi preso, cassado e morreu de silicose em 2007, sem nunca esmorecer. Foto de autoria desconhecida tirada durante a sua campanha para senador em 1986.

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